segunda-feira, agosto 20, 2012

Praias de areia dourada


Não sei se chego a tempo de te apanhar nessa língua de areia que separa a ria do mar, mas seguramente chegarei a tempo de convocar as tropas para juntarmos os resistentes. Com poesia ou sem ela, desde que o tempo chegue para grandes abraços e um ou outro copo cheio, entre dois dedos de conversa e umas guitarradas, que nos permitam celebrar que o que nos une, não é apenas a poesia que se reunia às quartas à noite, mas também uma amizade, tão grande como a distância que durante tanto tempo nos separa. Sem no entanto, apagar nunca memórias tão poéticas como maravilhosas da convivência mais periódica de outros tempos.

E agora vou comer um bom bife... o resto fica para outro momento, que agora tenho muito que fazer.

Agradeço a mensagem e as saudades que são mútuas!





em júbilo pela oportunidade que nos deram
estamos reconhecidos aos donos da vida.
E em romaria lhes beijaremos os anéis
nos altares onde estiverem.
nós, os que adoramos viver,
sentimo-nos na obrigação de agradecer.

aos patrocinadores, colaboradores,
a todos quantos nos emprestaram o riso e o ranho,
aos que nos entusiasmaram encorajaram e
aos que ainda estão para vir agradecemos,

a colaboração
ao haxixe de marrocos
à febre de malta
ao vinho da casa
à heroína

que casa c’o cowboy
lá para o fim do filme

agradecemos
ao fim do filme
por ter acabado
às sombras da tarde
por fazerem sombra à tarde
aos caminhos d’aldeia

por cheirarem a merda de vaca
ao senhor padre por ser virgem
nem ele sabe a importância que isso tem
nós também não

agradecemos
ao white horse
royal label
aos pudins flan
os maravilhosos momentos proporcionados

à nossa namorada
as incontáveis fodas
e as que demos sem contar


à mulher-a-dias
pela religiosidade com que nos lavou as cuecas
pela afeição com que nos viu crescer
pela idiotice de nunca querer ter sido mais nada

agradecemos
ao presidente da câmara
ter perdido as autárquicas
aos partidos no poder
e aos que ainda nos hão-de vir foder
às sogras tios e primos
a paciência de serem há tantos anos da família

agradecemos
ao sol da praia aos pardais ao ar lavado
e a todos os outros heróis mortos em combate
e imortalizados amortalhados em grandiosas
estátuas muros de betão

agradecemos
aos morcões e aos estúpidos
trissómicos e outros produtos das aberrações cromossómicas
a beleza com que são horriveis
é aí que vemos a infelicidade de que escapámos
é aí que temos a noção do tamanho bonito de existirmos assim

agradecemos
à dor aos sofrimentos inú
meros com que bordamos os nosso dias
porque nosso será o reino dos ceús
aos ladrões e às putas
pela sensação de imprevisto quando caminhamos na rua
por exibirem conceitos tão próprios de vida

e juramos
passar a cumprimentar toda a gente
estar infinitamente gratos
infinitamente gatos
piolhos porcos morcegos
infinitamente coisos despidos ao frio
vestidos ao sol
saias casacos camisas gabardines de vénus
roupa tanta sobre chãos corpos galácticos

juramos estar infinitamente gratos
a todos os casais felizes
uniões duradouras bodas de prata
por demonstrarem o conceito da felicidade emparedada
o valor da paciência
o infinito do esforço

agradecemos
à arte à ciência à historia à sociologia
à política à religião
darem emprego a tanta gente

agradecemos
À tecnologia aos motores
pelo mesmo motivo
às fábricas aos computadores
idem
e a tudo quanto faça barulho cheire
mal foda a vegetação os
rios
os sóis a aragem
porque inevitavelmente somos a favor
de uma poluição avançada,
não dessa como nos países de terceiro mundo
que é feita de gente magrinha feia
de ver.
Defendemos uma verdadeira poluição
pesada d’acordo com os padrões europeus

agradecemos
à tropa,
verdadeira escola d’homens
e à escola
tropa de meninos

agradecemos
a cristo marx reich
pela inutilidade prática das suas demonstrações
e agradecemos a todos quantos
fizerem demonstrações cheias de inutilidade prática
terem tido tanto êxito

não nos esqueceremos igualmente dos nossos teóricos
já lhes basta a infelicidade de serem
teóricos
de se esquecerem de comer
tudo a bem dos teoremas teóricos
explanações metafísicas
conceitos epistemológicos
não podemos claro deixar de
sentir ternura pelos nosso teóricos

agradecemos
às entidades divinas
a força que nos dão a garra
o querer e o tesão


e agora não agradecemos a mais ninguém
porque vamos comer um bom bife
talvez devêssemos agradecer
à defunta vaca
porque sempre em tudo o que façamos sem dúvida contraímos
obrigação de comer um bom
bife
e foder uma garrafa de verde
o que é um acto poético

de incomensurável estética.

João Habitualmente

1 comentário:

Carantonha disse...

Já estou na cidade (quando saio daquela língua de areia fico sempre um pouco melancólico), mas continuo com saudades tuas. Espero por um encontro, que seja em breve, onde possamos trocar abraços e beber um copo, sim, ao som de uma guitarra (ou um qualquer instrumento)que nos embale para uma conversa que nos preencha este tempo de ausência prolongada. Ah, e podemos repetir o bife,mas com um douro ou mesmo um bairrada tinto.