quarta-feira, novembro 03, 2010

Ali se uniram palavras e pessoas.

"Ele era a alma do Pucaro´s Bar, em Miragaia, onde mergulhei tantas e tantas noites durante anos seguidos. Ali começaram as noites de anedotas mais divertidas e frequentadas do Porto, com fila à porta. Ali se deram algumas das mais memoráveis noites de poesia de que tenho memória. Poesia arrancada a ferros ou dita de asas na mão, ao toque da sineta. Ali, entre nuvens de fumo, se ataram laços, mãos, corações e ilusões. Ali, entre finos, Jameson sem gelo, Vinho do Porto amendoins, tremoços e «mistas», se celebrou a vida, a alegria, a cumplicidade. Sem desistências ante os tragos amargos dos dias. Ali se uniram palavras e pessoas. Ali se conheceram e cantaram poetas e se festejaram novas amizades e versos. E nisto tudo, lá estava o Carlos Pinto, unificador de todas as almas e dizeres, porta aberta à frontalidade e à dádiva que mora em cada sincero abraço.

Nos últimos anos, por causa da minha obsessão em preservar memórias e manter intactos os momentos felizes que atravessam as vidas, o Pucaro´s tinha deixado de ser, para mim, local de passagem. Culpa minha, não do Pucaro´s, que manteve a sua cepa. Uma vez ou outra, lá ia matar saudades e dar um abraço ao Carlos e à Gilda. Era também uma maneira de não me esquecer das madrugadas de copos, das conversas e dos desabafos que amiúde fazíamos sobre o mundo que nos calhou em sorte e que é preciso continuar a morder como quem se agarra à vida.

O Pucaro´s foi, para mim, sinónimo de um tempo de descoberta, único, livre, vivido por inteiro, a todas as horas.


Quase cheguei a «morar» lá. E muito o devo ao Carlos Pinto. Ele, transmontano, soube manter livre e íntegro um território único de partilhas na noite portuense. Um espaço entre pedra bruta e luz fugaz que foi chão das mais profundas dedicatórias à amizade e à honra de estarmos vivos.

O Carlos morreu ontem, quase sem avisar. Ele nunca iria anunciar que estava em vias de se mandar para «o outro lado da vida», como tão bem escreveu o Anthero Monteiro, na mensagem que me enviou. Onde estiveres, espero que te divirtas, camarada! E desculpa-me, por momentos, a pieguice de ainda não saber lidar com a morte dos pedaços da nossa história que nos deram a sensação de sermos eternos. Mas isto amanhã já passa, camarada!"

Por Miguel Carvalho in http://adevidacomedia.wordpress.com/

http://mysticspel.blogspot.com/2009/12/pucarus-pucarus-pucarus.html

Eu podia ter escrito um texto muito similar a este, mas desde que soube da notícia que fiquei sem palavras e continuo, sem palavras e sem inspiração. O Porto ficou mais pobre, menos atractivo e a poesia jamais será a mesma. O Porto ficou sem motivo para lá ir às quartas! O Porto deixou de estar na minha cabeça às quartas (porque ainda que esteja a milhares de quilómetros, o Púcaros estava sempre na minha cabeça às quartas, com frio, com calor ou com chuva)!
De certa forma, este senhor é o responsável por este blog, talvez sem ele a minha paixão pela poesia não fosse "desta forma". Ironicamente, no seu último dia de vida publicaram uma crónica, talvez a melhor que li, sobre a verdadeira essência daquele espaço. O Púcaros tinha muita mística!
Muita mesmo!

Há 3 semanas estive lá, era o meu aniversário. Longe de pensar que essa seria a minha última vez no Púcaros do Carlos, lembro-me de comentar com uma amiga minha, as saudades que tinha de ir lá, religiosamente, todas as quartas. Ao que ela me respondeu imediatamente: - também eu!

- E agora Luafeiticeira, vô Miquinhos e Carlinhos da guitarra, o tamanho gigante das nossas saudades!



E agora,
com que cara é que vou dizer,

que nenhuma sessão de poesia me agrada
e que no Púcaros é que é!?


1 comentário:

A. Pedro Ribeiro disse...

o Carlos era mesmo a alma do Púcaros. Generoso, fraterno, frontal. Abraço.