terça-feira, junho 26, 2007

Lágrimas







Aqui há uns tempos, passeando-me sozinha pelo centro histórico de Barcelona, aconteceu-me algo inédito...
Não que eu seja uma pessoa extraordinariamente emotiva, ou muito menos uma pessoa com um coração de pedra incapaz de se emocionar com as coisas mais banais e normais da vida. Mas naquele dia, ia eu de máquina fotográfica ao peito, olhando para a direita, para a esquerda, em frente, de vez em quando para trás, fotografando as magníficas gárgulas da catedral de Barcelona, os balcões, as ruas estreitas... ouvindo e observando os transeuntes, orientado-me com o mapa, procurando referências, feliz da vida, bebendo água da garrafa, num explêndido dia de Sol, porque o calor aperta naquela bela cidade catalã.




Olhando para o céu, para os edifícios, para o relógio, vendo e ouvindo os que se dedicam a dar um pouco de cor e de música às ruas, quando vejo um grupo de giris (giri é o nome utilizado em castelhano para designar o que em português se caracteriza como 'bife') parados numa esquina que dava para uma viela estreita, escurecida pela incapacidade dos raios de Sol penetrarem naquela viela pouco mais que duas ou três horas ao dia, quando vejo uma senhora de casaco verde escuro de veludo, camisa branca de folhos no peito, cabelo apanhado, ar muy nobre, com os seus 50 e muitos anos de vida e um grande sorriso. Havia silêncio, um estranho silêncio a roçar o místico apenas proporcionado pelas vielas escuras das traseiras de uma catedral em pleno centro histórico. E assolou-me a estranha sensação de que algo ia acontecer.

A senhora sorriu e apenas a sua voz ecoou pelas paredes daquela viela cantando a 'Ave Maria' de Schubert. Ainda não tinha parado de cantar as duas primeiras palavras Ave Maria quando duas lágrimas me cairam inconscientemente pela cara abaixo. Era um silêncio de cristal apenas quebrado pela sua celestial voz. As lágrimas caiam-me pela cara abaixo sem que a minha face esboçasse a mínima expressão, aquele momento foi-me às entranhas e arrancou-me aquelas lágrimas sem que me desse conta, não eram lágrimas de tristeza, eram lágrimas de comoção, como nunca as tinha vertido. Dando-me conta do momento fortemente emocional que estava a presenciar olhei para o pequeno grupo que comigo partilhava o mesmo momento e todos tinham as mesmas lágrimas. A senhora terminou de cantar. Ecoaram as palmas, muitas palmas.
Os barulhos das gentes voltaram e a rua continuava a mesma. Esse momento faz agora parte do meu livro de viagens, do meu e provavelmente dos que por lá passavam naquele momento. Recuerdos, imposibles de olvidar.

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